Privatização X Estatização

Privatização ou desestatização é o processo de venda de uma empresa ou instituição do setor público - que integra o patrimônio do Estado ou Governo Federal - para o setor privado, geralmente por meio de leilões públicos. No Brasil, o processo de desestatização consistiu principalmente em tornar o Estado ou Governo Federal um sócio minoritário, pois grande parte das empresas já eram de capital aberto e negociadas em bolsa de valores e o Estado Brasileiro, através do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, continuou como sócio minoritário.

Aspectos gerais

Privatização é um processo de venda de empresas estatais produtoras de bens e/ou de serviços. Estes podem ou não enquadrar-se com sendo estratégicos e/ou essenciais (por exemplo: fornecimento de água tratada e coleta de esgotos, de energia elétrica, de telefonia fixa, de gás canalizado, e outros). Há também sob a administração do Estado, instituições tais quais o setor de previdencia social.

Para compreender corretamente as privatizações é necessário retrocedermos alguns séculos às doutrinas econômicas de Adam Smith, uma vez que as privatizações são uma re-leitura moderna daquela doutrina, conforme nos aponta Kwamina (1988). Embora a "privatização" possa ter-se constituído num novo burburinho, Pack (1987:532) nos afirma que é importante reconhecer que ela não é um fenômeno novo.

Está comprovado que a "doutrina da privatização" foi ativamente praticada e promovida pelas administrações Ford, Carter e Reagan nos Estados Unidos, e pela administração Thatcher no Reino Unido. O interesse pelas privatizações no mundo emanou originalmente das iniciativas de desregulamentação proclamadas e esposadas por essas administrações, que particularmente favoreciam a minimização do papel e das responsabilidades do Estado (Governos Federal, Estaduais e Municipais) ou do setor público da economia, e assim transferiram essa responsabilidade ao setor privado.

Modernamente, esse processo iniciou-se no Chile de Augusto Pinochet em 1973 e atingiu seu ápice na década de 1980 nos países desenvolvidos como no Reino Unido, por exemplo, sob o governo da primeira-ministra Margaret Thatcher. Estendeu-se, na década de 1990, à América Latina, onde foi incentivada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, sendo uma estratégia recomendada pelo chamado Consenso de Washington que, segundo então diziam seus seguidores, aceleraria o crescimento econômico nos países que o adotassem.

Na opinião de economistas liberais, como o "Prémio de Ciências Económicas" Milton Friedman, seus objetivos principais são obter maior eficiência, reduzir despesas e gerar recursos. Para Friedman, os governos deveriam vender suas empresas estatais.

Os que se opões às privatizações indiscriminadas de serviços públicos essenciais (as de fornecimento de água e coleta de esgotos, as de geração, transmissão e de distribuição de energia elétrica, as de telefonia fixa, as de gás canalizado e outras) argumentam que toda empresa privada tem como principal foco o lucro, e este, muitas vezes, se choca com a necessidade de prover pessoas de baixo poder aquisitivo com estes serviços fundamentais.

Uma das questões mais difíceis de serem equacionadas quando se adota um programa de privatização é a existência das atividades econômicas que se constituem em "monopólios naturais", também chamados de "monopólios de rede" (Network effects).

Os principais "monopólios naturais" são: fornecimento de água tratada e saneamento básico (esgotos), de energia elétrica, de gás encanado, de telefonia fixa, transporte urbano sob trilhos Metrô e algumas ferrovias, entre outros.

Estes setores têm em comum certas características: são fundamentais para a vida econômica e social de uma sociedade, apresentam significativas "externalidades" (isso é, qualquer transação feita entre dois indivíduos afeta um terceiro, ou a própria coletividade - beneficiando-os ou prejudicando-os), exigem grandes investimentos, de longo prazo de maturação, que são específicos para cada atividade - isso é, não são "recuperáveis".

Os problemas que surgem nas privatizações de "monopólios naturais", e suas possíveis soluções, são de análise bastante complexa e têm que ser objeto de um artigo especial: Monopólios Naturais (Natural Monopoly).

O programa de privatizações de serviços públicos da Grã-Bretanha nos fornece amplas informações acerca das privatizações, e de suas consequências. "Os resultados obtidos foram muito variados, indo desde um grande sucesso na privatização dos setores de gás, eletricidade e telecomunicações até um verdadeiro caos criado pelas privatizações das ferrovias (britânicas), e uma insatisfação pública generalizada em relação à privatização da distribuição de água.

O setor de distribuição de água é o exemplo mais próximo que existe da definição ideal de "monopólio natural" dos livros texto de economia. A infraestrutura necessária é especializada e cara. Sua duplicação por potenciais competidores teria custos proibitivos, o que impede que se possa contar com a competição normal para manter razoáveis os preços, e a qualidade do serviço prestado.

Na Grã-Bretanha "o principal resultado (da privatização da distribuição de água) foi um forte e vociferante descontentamento do público com as empresas privadas. As tarifas de água subiram de 100 a 200 por cento (simultaneamente o valor médio das ações das 25 empresas privatizadas de distribuição de água subiu 1.000% em bolsa, ou seja, dez vezes)”.

Alí a comparação da performance das empresas privadas com o sistema anterior foi distorcida pela ocorrência duas severas secas. As empresas privadas investiram na redução de vazamentos do sistema e na expansão da capacidade de distribuição; uma melhora importante foi a redução de perdas por vazamentos.

No Chile, a súbita privatização dos recursos hídricos resultou num alto grau de monopolização do suprimento de água pelas geradoras de energia elétrica, em detrimento do setor agrícola e do abastecimento das cidades que "precisam pagar preços exorbitantes pela ampliação no fornecimento de água".

Efetividade e repercussão

Em alguns países essas vendas são polêmicas, pois setores da sociedade, apoiados por alguns economistas novo-keynesianos, como o "Prémio de Ciências Económicas" Joseph E. Stiglitz acreditam que as privatizações podem se transformar numa simples apropriação das riquezas do Estado por alguns grupos privados privilegiados - que objetivam apenas obter lucro para si, nem sempre com isso aumentando o "bem estar" da população ou a riqueza do país.

O jornalista Elio Gaspari cunhou o neologismo privataria para designar pejorativamente as privatizações brasileiras. O debate entre os defensores das privatizações e seus opositores transcende em muito os limites da teoria econômica pura, enveredando freqüentemente por discursos político-ideológicos ou partidários.

Um dos argumentos contra a privatização é de que algumas empresas já são eficientes e geram lucros. Para exemplificar cita-se o fato da Petrobras, a partir de 1 de dezembro de 2006, ter passado a compor o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa, um seleto grupo que elenca as 34 mais bem administradas empresas brasileiras. É também notório o pioneirismo e liderança mundial da Petrobras na pesquisa e exploração de petróleo em águas profundas.

Apesar disso, seus resultados ficaram muito aquém de suas concorrentes internacionais, tendo uma queda de 17% do lucro no ano de 2007 em relação a 2006, o que, segundo a empresa, foi devido ao ajuste no plano de pensão dos funcionários e ao ajuste cambial. Ainda, a empresa caiu 3 posições no ranking mundial de rentabilidade e eficiência montado pela Petroleum International Weeklycom.

Das dez principais empresas de petróleo do mundo, apenas quatro não registram crescimento do lucro em 2007, apesar dos preços recordes do petróleo: a Petrobrás, a mexicana Pemex, a venezuelada PDVSA e a russa Gazprom, sendo todas elas estatais. Já o Banco do Brasil apresentou lucro de 6,04 bilhões de reais em 2006. Em 2007, o lucro do Banco do Brasil caiu 16,3%, sendo de 5,1 bilhões. Em comparação o Bradesco aumentou seu lucro em 58,5%, o Santander em 48%, o Itaú aumentou em 96,66% e o Unibanco em 97%. Em contraste, a Caixa Econômica Federal cresceu 5,2%.

A respeito disso, os defensores do livre mercado argumentam que tanto a Petrobras como o Banco do Brasil são empresas de economia mista e não empresas públicas, pertencendo ao Governo apenas o seu controle acionário e, embora a Petrobras e o Banco do Brasil já fossem empresas eficientes e bem sucedidas a nível mundial, nem todas as estatais brasileiras atingiram, ainda, esse nível de qualidade na sua gestão corporativa.

Em 2006 as empresas estatais federais do Brasil não privatizadas contribuíram, positivamente, com 2,38 bilhões de reais para a redução do déficit do governo central.     Alguns setores apontam que esse número teria sido quase o dobro se o controle acionário da Vale ainda fosse detido pelo Tesouro Nacional do Brasil.

No entanto os lucros da Companhia Vale do Rio Doce eram três vezes menores antes de sua privatização. Contribuiu para isso a alta de 123,5% no preço internacional do minério de ferro, ocorrida entre 2004 e 2006. Atualmente, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, detém 58,1% da Valepar S.A., controladora da Companhia Vale do Rio Doce. Esta por sua vez detém 52,70% das ações com direito a voto. O Estado Brasileiro, através do BNDES detém 6,71% das ações com direito a voto. Assim é correto dizer que seu controle está, não nas mãos do governo, mas ainda em mãos de trabalhadores brasileiros.

(Estudo do Banco Mundial).